Cultura

Cacá Diegues diz que a cultura brasileira precisa voltar-se ao barroco

Diretor maceioense veio a Alagoas para lançar o filme 'O Grande Circo místico', que é inspirado em poesia do também alagoano Jorge de Lima; estreia nesta quinta-feira, no circuito comercial

08 de Novembro de 2018, 17:31

Jorge Barboza/ Editor

O filme “O Grande Circo místico”, dirigido pelo veterano Cacá Diegues, lotou uma das salas do Cinesystem no shopping Parque, em Maceió, na terça-feira (6). A sessão para a imprensa e convidados, com a presença do cineasta – que antecipou a estreia do longa no circuito comercial nesta quinta-feira (8) – foi uma realização da Secretaria de Estado da Cultura (a Secult) e da Diretoria de Teatros do Estado (Diteal). O diretor de 78 anos, nascido em Maceió, também participou de entrevista coletiva realizada na manhã de terça-feira, no Teatro Deodoro.

“O cinema é mais do que a realidade”, afirmava Diegues na coletiva que reuniu os principais veículos de imprensa da capital e o secretário de Estado da Comunicação, Ênio Lins. Ao lado das jovens atrizes gêmeas Amanda e Louise Brito, o cineasta ensinou que “o cinema é para fazer você pensar”. “E nesse filme, particularmente, há um desejo de retornar ou de lembrar a beleza da cultura barroca brasileira, que sempre foi uma base da cultura brasileira, mas que, ultimamente, tem sido esquecida por causa desse naturalismo de reproduzir a realidade tal como ela é.”

Sessão lotada: Cacá Diegues ao lado do secretário Ênio Lins/ Foto/ Neno Canuto

Para este que é um dos diretores brasileiros mais criativos e profícuos, "O Grande Circo místico" não reproduz a realidade. Com enorme lista de sucessos – entre eles, “Joana Francesa” (1973, filmado em Alagoas e protagonizado pela atriz francesa Jeanne Moreau); “Chica da Silva (1976, com Zezé Motta e José Wilker); “Chuvas de Verão” (1978, com o alagoano Jofre Soares e Miriam Pires); “Bye Bye Brasil” (1978, com Betty Faria e José Wilker); “Quilombo” (1984, com Tony Tornado, Grande Otelo, Zezé Motta e Vera Fischer); “Dias Melhores virão” (1989, com Marília Pera e Paulo José); “Tieta do Agreste” (1996, com Sônia Braga e Marília Pera) e os mais recentes “Deus é Brasileiro” (2003, também filmado em Alagoas, com Antônio Fagundes, Wagner Moura e o nosso Chico de Assis) e “Giovanni Improtta” (2013, com José Wilker e Andréa Beltrão) –, Cacá Diegues acredita que seu novo longa-metragem, baseado em poema de outro alagoano, o palmarino Jorge de Lima (1893-1953), “reproduz sim a realidade, mas com elementos de fantasia, de sonho, que somente foram possíveis nesse momento do cinema mundial, trabalhando com a tecnologia digital”.

“É um filme”, define, “que recorre à tradição barroca do cinema brasileiro, da cultura brasileira de um modo geral. E Jorge de Lima me ajuda muito nisso, e ao mesmo tempo corresponde ao que há de mais moderno no cinema hoje em dia.”

Cacá Diegues lamenta que o barroco tenha ficado “um pouco esquecido” num panorama geral da cultura brasileira. “Na verdade, o realismo que a cultura brasileira adotou, sobretudo no cinema, é resultado da globalização. As pessoas querem entender melhor o mundo, então, para se comunicar com pessoas vindas de outras culturas, o naturalismo facilita isso – é a globalização. O barroco é a identidade brasileira, uma característica fundamental da cultura brasileira. Não é que eu seja contra filme naturalista não, tem filme naturalista muito bom, mas é que a gente esqueceu um pouco o barroco. No cinema brasileiro, o barroco foi uma coisa muito do Cinema Novo, da minha geração dos anos 1960 – Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, enfim, todos os cineastas que realizaram trabalhos no Cinema Novo. Isso foi se perdendo aos poucos porque os cineastas mais novos..."

Na entrevista coletiva no Café da Linda (Teatro Deodoro)

Nessa parte da coletiva, o diretor faz "um parêntesis" para afirmar que estamos vivendo "o melhor momento da história do cinema brasileiro".

"Estamos produzindo de 180 a 200 filmes por ano. No ano passado foram 180, este ano eu acho que serão 210. É um número muito grande. Na América Latina somente o México, na época áurea do cinema mexicano, teve uma produção tão grande. Essas 180 ou 210 produções revelam uma diversidade que é igual à diversidade do Brasil, da cultura brasileira e do que o Brasil é. O Brasil é o quê? São os igarapés da Amazônia, as praias do Nordeste ou são as favelas do Rio de Janeiro, as cidades históricas de Minas? Tudo isso é o Brasil. Essa diversidade que implica, também, num estilo de criação, de produção que é diferente. É isso que eu acho, que o barroco ajuda a criar uma identidade que a gente precisa buscar. Acho que o grande cineasta barroco do Brasil foi, sempre, e será sempre, o Glauber Rocha, fazendo aqueles filmes maravilhosos que ele fez.”

Veja o trailer de 'O Grande Circo místico'/ Na foto, Jesuíta Barbosa

Fazendo notar a atual conjuntura social brasileira, em que a política, segundo ele, deu “uma guinada violenta”, o diretor alagoano reconhece que “este é o momento” em que a arte nacional deve voltar-se ao barroco. “A gente pode ser a favor ou contra essa guinada, eu não votei nessa guinada. Mas de qualquer maneira é um momento muito importante. O Brasil vai mudar muito daqui para frente e a gente tem de entender o que nós somos para poder viver o que vem por aí.”

Indicado ao Oscar 2019 de “melhor filme em língua estrangeira”, “O Grande Circo místico” impressionou a secretária de Estado da Cultura, Mellina Freitas. “Foi uma noite especial para o cinema brasileiro e para os alagoanos”, afirmou à reportagem do noticiário oficial da Agência Alagoas. “A nova produção do nosso conterrâneo Cacá Diegues está linda, super intensa e poética.”