Oráculo de Lilith

Escorpião não nasce nem morre: renasce, refaz-se, vira fênix

O Sol entrou em Scorpio no sábado (23); aproveite a filosofia (ou espiritualidade) do signo, que é descer para subir, para transformar vivências e perdas em vitórias e transmutação

26 de Outubro de 2021, 09:57

Ana Karina Luna é escritora, artista visual, designer e bruxa; editora, fundadora/proprietária da Lua Negra Cartonera *

E já que o Sol entrou em Escorpião, bora de fênix, atuação que o Escorpião faz em seu melhor. Quer dizer, faz outras coisas, também, supremamente aliás, como por exemplo: desce à lama como ninguém. Pois é... Quem nunca? (Todo mundo tem Escorpião no mapa, só digo isso).

Falo da lama em todos os seus sentidos, porque este arquétipo é assim: a lama é boca-do-lixo e a lama é espiritual — quer dizer, se souber aproveitar a filosofia do Escorpião, ele traz as mais pungentes e terrenas vivências com susceptibilidade de virarem em seu ato derradeiro um momento fênix na sua vida. Quem diria, hein? Ah, você não sabia que em escorpião há espiritualização? Mas, criatura, claro!

Regido por Plutão, o planeta das perdas, das grandes transformações, da destruição, da morte, dos vícios, do escuro, do poder pessoal, do mais profundo inconsciente, do submundo, da morte que traz a vida. Carta 13 do tarô, Escorpião e seu regente Plutão são sobre experiências de submundo e muito terrenas mas com mecanismos que ativam profundamente o espírito, se soubermos fazer a coisa. Onde você tiver Plutão no mapa vai indicar suas grandes perdas e as imensas e profundas transmutações que virão daí. 

O regente Plutão: planeta das perdas e transformações, da destruição e morte, dos vícios

É por isso que Escorpião é coisa de lama e coisa de alma ao mesmo tempo. Está aí Jesus Cristo para não deixar dúvidas: ascendente no bicho. Que outro arquétipo aguentaria um descida daquelas? (...) Sexta-feira da Paixão não é pra qualquer um.

Tenho uma vênus-plutão assentada na saída da casa 8, e a bicha me proporciona descidas perigosas, mas tudo, absolutamente tudo o que desce, tem que subir... E esses momentos a gente celebra. 

As subidas. Também disso é feito o arquétipo escorpiano. 

Grande é minha gratidão ao (e admiração pelo) profundo das partes escorpianas em mim. Que magia é essa que atrai o lacrau para a descida mais vertiginosa, aquela que até beira a loucura tantas vezes?

Eu poderia ficar a noite inteirinha aqui achando palavras para descrever esse instinto de ver o limite de perto, de seguir e entrar nas águas paradas que vão cruzar uma ponte muito, muito cavernosa... Mas seria impossível, no final, descrever o que só pode ser vivido. Escorpião é a água congelada, água parada, vida suspensa para suportar passar por certas coisas. É conter a respiração até onde der e não perder a última oportunidade de soltar sob pena de perda total. Um segundo depois, pode ser tarde demais.

E bote “vivido” nesse arquétipo do Escorpião: ele rege os genitais, nosso chacra mais baixo (terreno), o do períneo, coordenando ali o nosso uso da força vital, mesma coisa que prana, que libido, que kundalini, que energia, que sopro, que vida.

A borra do café: subida do Escorpião depois do trabalho feito

Fascina-me, desafia-me, admira-me, assusta-me e confunde-me como é que o escorpião é maestro em levar a correnteza por esse lado tão, tão... “Paixão de cristo”. O trabalho dele é o cara-a-cara com os limites do corpo, do poder, do controle, da posse, do vício, do perigo, do veneno, da sombra, do profundo, do oculto, da fusão. Não é à toa que o Escorpião, junto com Touro, formam o Eixo do Desejo.

O desejar — que no budismo é visto como o causador de todo sofrimento, e paradoxalmente, o catalizador de qualquer experiência, pois sem desejo há apenas neutralidade, não há movimento, não encarnamos, não encorpamos. 

É o desejo — de experimentar, de aprender, de vivenciar, de ver, de tentar, de sentir, de ser, etc, etc, etc ao infinito, pois há tantos desejos quantos há pessoas e suas pulsões — que nos impulsiona a ir, a sair de onde estamos, parados, neutros, sendo apenas uma unidade de consciência, puro conglomerado etéreo de luz passeando aí pelo cosmos e de repente decidimos adensar, baixar o nível da vibração para adentrar a experiência, a dualidade, o corpo.

E volto a Jesus porque este também me fascina. Porque ele teria que descer? Para quê estar na experiência corpórea? O cara era evoluído, se via. Para que vir para o corpo, então? Depois que entendi o arquétipo de Escorpião e descobri que Jesus teria esse ascendente, compreendi uma coisa: é pelo corpo que se chega a qualquer lugar. Por isso se diz que Jesus nos ensinou a sofrer. A suportar, a continuar. E na psicanálise é isso que sabe fazer uma psique curada, adulta, madura. Sustenta a vida, venga lo que venga. Sem desespero. Senão, sem a vivência do corpo, tudo são apenas ideias, abstrações, inexperiências, pensamentos. É na vivência do corpo que tudo é testado, e há que saber passar por ele. Esse é a missão escorpiana, aprender sobre fusionar e depois separar. Desejar o desejo e depois descartá-lo. Querer a ponto de querer morrer, e depois não morrer quando não se tem. 

A experiência com o desejo é forte. E não falo aqui de sexualidade apenas. Falo de que somos seres desejantes, assim é o humano. Desejamos: temos sonhos, vontades, aspirações, anseios. Queremos muito, seja o que for. E como é sobreviver sem possivelmente ter o que queremos? Como é ser um ser desejante (é da nossa psique isso, explicou Freud) e ao mesmo tempo, ter que renunciar, não poder ter? Essa é a equação escorpiana. Apegar e desapegar. A dobradinha que ele faz com Touro, no Eixo do Desejo. Um eixo admiravelmente vivo! Humano!

A própria descida, ao corpo — o nascer — já é escorpiana e requer coragem, e a gente não pensa nisso, mas todos fazemos. Já parou para pensar? Como é perigoso o processo de nascer, mudar de frequência, é uma viagem enorme, de uma alquimia impossível de se computar com a cabeça. Sair da eterealidade e se adensar no corpo, perder algumas faculdades, ficar grosseiro e ter que daí, desse lugar precário, limitado, sobreviver. E se der sorte na sabedoria: viver.

Descer do cosmos para nascer e para subir e descer nos opostos dentro de nós

No meu segundo livro, o “Maluquete Quer Dançar”, tem um poema com um fragmento assim:

Maluquete pergunta se é perigoso viver.

Digo que sim. É hiper perigoso.

Seu próprio fígado, seu próprio pâncreas.

Seu próprio bomba-coração.

Tudo a carregar. Aguar, plantar. Regurgitar.

Vômitos.

Só me dei conta agora de como isso foi escrito pelo escorpião em mim... É ele que sabe disso. A gente não faz ideia. A gente está aí de bobeira, achando que está aqui vivendo uma vidinha de merreca, fazendo nada, vendo o tempo passar... e um experimento da bubônica está em andamento: Nós no Corpo.

Descer do cosmos — da neutralidade — para nascer, para se polarizar, para subir e descer nos opostos dentro de nós, para descer à lama e subir como fênix escorpiona, e se tiver alguma maestria não perder o corpo nas descidas.

E no entanto, mesmo quando morremos, descidas são para isso. Às vezes é a morte física mesmo, às vezes mais uma morte emocional, ou psíquica, ou espiritual. Não importa: toda morte leva a um renascimento, seja como for. 

Ah, Escorpião, reverência total a ti: você me surpreende, sempre, sempre, sempre. Sem ti, não há renascimentos, nem aprofundamentos, nem a evolução que vem deles. Experienciaríamos eternamente a superfície, ignorando o Ouro Negro que corre no centro das coisas. Sem ti, não saberíamos as essências, não sentiríamos o bumbar de uma pulsão, não atravessaríamos nada, pois tu deténs as pontes mais difíceis e mais extasiantes. Sem ti não saberíamos que é preciso ter a senciência do corpo para expandir o espírito, e que a expansão do espírito dá sentido ao corpo.

Por isso, por tanta lama e tanta alma, Ave-Scorpio!

* Você pode se consultar com Ana Karina Luna — Tarô, mapas astrais; faça contato em @oraculo.de.lilith / @anakarinalua / @luanegracartonera